Este é um tema que continua a
suscitar muitas dúvidas, contribuindo, por vezes, a comunicação social, para o
aumento das incertezas. Recordamos, certamente, uma notícia divulgada, «et
alli», pela TSF, com o seguinte título: «Tribunal
diz que câmaras não podem multar por estacionamento».
Na verdade, o tribunal
judicial da Comarca de Braga apenas referiu que as Câmaras Municipais não podem
processar contra-ordenações nem aplicar coimas, estando em causa violações de
normas do Código da Estrada (CE) – existem excepções, como veremos «infra» –,
já que a competência é exclusiva da Autoridade Nacional de Segurança Rodoviária
(ANSR).
1 - Fiscalização do
cumprimento das disposições do Código da Estrada
Embora as Câmaras Municipais
não tenham, em regra, competência para instruir e decidir processos de
contra-ordenação motivados por violação de normas do CE e legislação
complementar, incumbe-lhes (à semelhança do que sucede com outras
entidades, v.g., P.S.P. e G.N.R.) a fiscalização do cumprimento dessas
mesmas normas, art.º
5.º n.º 1 al.ª d) do Decreto-lei n.º 44/2005, de 23 de Fevereiro.
Esta é, contudo, uma
competência limitada às vias públicas sob a respectiva jurisdição.
Essa fiscalização, nos termos
do art.º
5.º n.º 3 al.ª c) do Decreto-lei n.º 44/2005, de 23 de Fevereiro, pode
ser exercida através:
«Do pessoal de fiscalização de
empresas públicas municipais designado para o efeito e que, como tal, seja
considerado ou equiparado a autoridade ou seu agente, com as limitações
decorrentes dos respectivos estatutos e da delegação de competências e após
credenciação pela Direcção-Geral de Viação» (agora pela ANSR).
Vejamos, a título de exemplo,
se uma dessas empresas públicas municipais, cuja legitimidade tanto tem sido
posta em causa, a ECALMA (Empresa Pública Municipal de Almada), reúne todos
esses requisitos:
● A ECALMA é uma empresa
pública municipal aprovada pela Assembleia Municipal, em reunião de 30 de Abril
de 2004, ao abrigo da então em vigor Lei n.º
58/98, de 18 de Agosto;
● De acordo com o art.º 5.º
n.ºs 1 e 2 do seu Estatuto, ela tem competência para “a fiscalização
do cumprimento do Código da Estrada e legislação complementar”;
● Esta competência foi-lhe
delegada pela Câmara Municipal, nos termos do art.º 6.º n.º
3 desse mesmo Estatuto;
● A ECALMA está devidamente
credenciada pela ANSR como entidade autuante n.º 150300100.
Sendo assim, e no que à ECALMA
concerne, os seus agentes fiscalizadores têm competência idêntica à da G.N.R. e
da P.S.P, não só no que toca à fiscalização do cumprimento das normas de
estacionamento de duração limitada, mas de todas as disposições do Código da
Estrada.
A única distinção prende-se
com o âmbito territorial da sua actuação (limitada às vias públicas sob a
jurisdição da Câmara Municipal de Almada).
2 – Competência da Câmara
Municipal para processamento de contra-ordenações e aplicação de coimas
Contudo, lá por a empresa
pública municipal ter competência para a fiscalização das disposições do Código
da Estrada, tal não significa que a Câmara Municipal possa processar e,
consequentemente, aplicar a correspondente coima, já que esta é uma competência
exclusiva da Autoridade Nacional de Segurança Rodoviária, ANSR (art.º
169.º n.ºs 1 e 2 do Código da Estrada).
Sendo assim, estando em causa
uma contra-ordenação estradal, a empresa pública municipal pode fiscalizar,
devendo, no entanto, em caso de infracção, remeter o respectivo Auto à ANSR
para processamento e aplicação da correspondente coima.
2.1 – Excepção
Mas porque «nulla regula sine
exceptione», existem casos em que, efectivamente, as Câmaras Municipais podem
instruir processos de contra-ordenação e aplicar coimas ou sanções acessórias
(claro está, nas vias públicas sob a respectiva jurisdição).
No dia 01 de Janeiro de 2014,
entrou em vigor a nova redacção do art.º
169.º n.º 7 do CE [1],
a qual se passa a transcrever:
«A competência para o
processamento das contraordenações previstas no artigo
71.º e a competência para aplicação das respetivas coimas e sanções
acessórias podem ser atribuídas à câmara municipal competente para aprovar a
localização do parque ou zona de estacionamento, por designação do membro do
Governo responsável pela área da administração interna, mediante proposta da
câmara municipal, com parecer favorável da ANSR, desde que reunidas as
condições definidas por portaria do membro do Governo responsável pela área da
administração interna.»
Sendo assim, estando em causa
estacionamentos proibidos em zonas ou parques devidamente aprovados, podem, as
Câmaras Municipais, processar as respectivas contra-ordenações, aplicando a
correspondente coima ou sanção acessória, tendo que, para isso:
● Propor, ao Ministro da
Administração Interna, a atribuição dessa competência;
● Obter parecer favorável da
Autoridade Nacional de Segurança Rodoviária;
● Aderir ao Sistema de
Contra-ordenações de Trânsito (SCoT), nos termos do disposto nas Portarias n.ºs: 214/2014, de 16 de
Outubro e 254/2013,
de 26 de Abril;
● O pessoal de fiscalização do
município ou das empresas públicas municipais encontrar-se devidamente
designado para a fiscalização daquele art.º
71.º do CE, nos termos do art.º
5.º n.º 3 al.ªs a) e c) do Decreto-lei n.º 44/2005, de 23 de
Fevereiro.
3 – Remoção e depósito de
veículos
Vimos, anteriormente, que as
empresas públicas municipais têm competência para proceder à fiscalização do
cumprimento de todas as disposições do Código da Estrada nas vias sob a
jurisdição do respectivo município.
Sendo assim, os agentes
fiscalizadores da empresa pública municipal podem proceder à remoção de
viaturas, caso estas se encontrem nas condições previstas nas diversas alíneas
do art.º
164.º n.º 1 do CE; ficando, aquelas, depositadas à sua guarda.
Relativamente aos locais para
onde os veículos são removidos, estabelece, o art.º
8.º da Portaria n.º 1424/2001, de 13 de Dezembro (com as alterações
introduzidas pela Portaria
n.º 1334-F/2010, de 31 de Dezembro), que devem funcionar “todos os dias
entre as 9 e as 18horas, podendo esse período ser alargado por decisão das
entidades responsáveis pela sua guarda.”
Significa que, mesmo aos
Sábados e aos Domingos, das 9 às 18 horas, deverão, esses locais, estar
disponíveis para a entrega das viaturas, se tal lhes for solicitado.
Esse horário de funcionamento
(das 9 às 18 horas) poderá ser alargado pelas entidades responsáveis pela
guarda, mas nunca restringido, porque, simplesmente, a Portaria não o admite.
Se determinado cidadão se vir
impossibilitado de levantar o seu veículo devido ao encerramento ilegítimo do
local onde ele se encontra depositado, poderá invocar um dano patrimonial –
“dano de privação de uso de veículo” –, cuja indemnização compreenderá não só o
prejuízo causado pela privação (dano emergente), como os benefícios que, com
ela, o lesado deixou de obter (lucros cessantes), art.º
564.º n.º 1 do Código Civil.
_____________________________
[1] Alteração introduzida
pela Lei
n.º 72/2013, de 3 de Setembro.
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