O Tribunal da Relação de Évora
absolveu no último mês de dezembro, um homem condenado pelo crime de violência doméstica, depois
de concluir que actos como agarrar a vítima pelo pescoço não perfazem
maus-tratos. O arguido tinha sido já condenado, em primeira instância pelo
Tribunal de Vila Viçosa, a dois anos e dois meses de prisão pelo crime de violência
doméstica em junho de 2015, mas viu a pena suspensa ao comprometer-se a fazer
um tratamento para o alcoolismo.
De acordo com do Tribunal
da Relação de Évora, apesar do desconforto e vergonha sentidos por parte da
ofendida devido a acusações de infidelidade, "não é, pois, do mero facto
de o arguido consumir bebidas alcoólicas, ou de tomar uma ou outra atitude
incorreta para com a ofendida (por exemplo, ir "tirar dinheiro" da
carteira desta), ou de, numa ocasião, após um insulto da ofendida, ter agarrado
o pescoço desta com uma mão (...), que podemos concluir pela existência de um
maltrato da vítima, no sentido tipificado no preceito incriminador da violência
doméstica".
O Secretário-Geral da
Associação Sindical dos Juízes Portugueses, João Paulo Raposo, admite que a lei
é volátil e com "conceitos muito abrangentes", aberta a
interpretações que podem ir da ofensa à integridade física, ao crime de
violência doméstica.
João Paulo Raposo referiu que,
além dos casos evidentes de violência doméstica, existem "áreas mais
cinzentas" com diferentes abordagens.
"Aí nota-se que há uma
abordagem psicológica, sociológica e psicossocial dessas relações que tende a
valorizar muito todos os episódios que são obviamente episódios de violência e
integrá-los como violência doméstica no sentido criminal. Temos ainda algumas
visões que são um bocadinho mais benevolentes ou têm uma amplitude maior".
O casal viveu em união de
facto durante oito anos até 2015, ano em que a vítima relata a maioria dos
insultos.
Entre os factos provados,
estão agressões físicas e verbais como acusações por parte do arguido à vítima
de relações extraconjugais, empurrões e apertos no pescoço.
O casal vivia com três
menores, duas filhas da vítima e a filha de ambos de quatro anos, havendo
referência no acórdão a acusações de abusos sexuais do arguido por parte de uma
das filhas da vítima.
Os relatórios médicos
referidos no acórdão apontam que a vítima sofreu um traumatismo abdominal e
dores na região supra mamária, como resultado das ofensas físicas.
O documento do Tribunal da
Relação de Évora inclui ainda a referência a um episódio de violência da vítima
contra o arguido, que reconheceu ter atirado um comando ao companheiro e ter
proferido algumas ofensas verbais.
Durante o depoimento a
ofendida acrescentou que o arguido "nunca lhe bateu" e que "não
tinha medo dele".
O colectivo de juízes, composto
por Maria Filomena Soares e João Amaro, referiu que para se configurar o crime
de violência doméstica é necessário haver um grau superior de consequências que
afete a dignidade pessoal da vítima.
O acórdão diz ainda que não
basta uma série de crimes cometidos durante uma relação afectiva para que
maus-tratos passem ao crime de violência doméstica.
Consulte aqui o texto integral do acórdão.
A justiça está em estado terminal
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