QUEM PODE SER ARGUIDO, COMO FUNCIONA A SUA CONSTITUIÇÃO E RESPECTIVOS DIREITOS E DEVERES

Não raras vezes ouvimos a palavra “arguido”, mas será que sabemos realmente o que significa ser arguido? Entre outros, descubra neste artigo quem pode ser arguido,como funciona a sua constituição e quais os seus direitos e deveres.


Quem é o arguido?!...

O arguido é a pessoa que, no processo penal, é constituída como tal, de forma a ser investigada e/ou acusada pela prática de um crime.

Qual é a diferença entre arguido e réu?!...

O arguido é alvo de um processo penal, enquanto que o réu é alvo de um processo não criminal (não está em causa a prática de um crime).

Qual é a diferença entre arguido e suspeito?!...

O suspeito é a pessoa relativamente à qual existem indícios de que cometeu ou se prepara para cometer um crime ou que nele participou ou prepara para participar. O arguido é um suspeito, mas nem sempre o suspeito é um arguido: para o suspeito ser arguido, tem de ser constituído como tal num processo penal.

Em que consiste a constituição de arguido?!...

A constituição de arguido consiste na comunicação, oral ou por escrito, ao suspeito de que, a partir daquele momento, deve considerar-se arguido num processo penal e da indicação e/ou explicação dos seus direitos e deveres.

Porque existe a constituição de arguido?!...

O suspeito é constituído arguido para assim ser parte no processo e, com essa posição processual, ficar sujeito a determinados deveres, mas também beneficiar de determinados direitos.

Quando é obrigatória a constituição de arguido?!...

A constituição de arguido é obrigatória quando:

  • uma pessoa for acusada ou contra ela for requerida instrução (fase processual);
  • existindo investigação contra uma pessoa e havendo suspeita fundada da prática de crime, ela prestar declarações perante o tribunal ou polícia;
  • tenha de ser aplicada a alguém uma medida de coação (ex: prisão preventiva) ou de garantia patrimonial (ex.: caução);
  • uma pessoa for detida para ser julgada ou para ser presente a Tribunal;
  • for comunicado a uma pessoa um auto de notícia (denúncia pela polícia ou pelo ministério público) que a dá como autora de um crime, salvo se a notícia for manifestamente infundada;
  • durante a inquirição de uma pessoa como testemunha, surgir contra ela suspeita de que cometeu um crime.

 

Por quem é feita a constituição de arguido?!...

A constituição de arguido pode ser feita pelo juiz, pelo ministério público ou pela polícia. Quando é feita pela polícia, tem de ser comunicada ao tribunal no prazo de 10 dias, sendo apreciada e validada (ou não) pelo tribunal também no prazo de 10 dias.

Que documentos são entregues na constituição de arguido?!...

A constituição de arguido implica a entrega de documento onde conste a identificação do processo e do defensor (caso seja nomeado) e dos direitos e deveres processuais.

E se constituição de arguido não for de acordo com a lei?!...

A omissão ou violação das formalidades previstas para a constituição de arguido implica que as declarações prestadas pelo suspeito não possam ser utilizadas como prova.

E se o arguido, assim constituído, for menor?!...

A legislação determina que a constituição de arguido menor de idade tem de ser comunicada, de imediato, aos pais ou seus substitutos legais.

Quais os direitos e deveres do arguido?!...

A legislação penal determina que o arguido tem direito a:

  • Estar presente nos atos processuais (ex.: julgamento);
  • Ser ouvido pelo juiz sempre que este vá tomar uma decisão que o afete;
  • antes de prestar declarações, ser informado dos fatos de que é suspeito de ter praticado;
  • não responder a perguntas sobre os factos de que é suspeito ou declarações anteriormente prestadas (direito ao silêncio);
  • constituir advogado ou solicitar a nomeação de um defensor;
  • ser assistido por defensor em todos os atos processuais;
  • quando detido, comunicar com o defensor em privado;
  • intervir na fase de investigação do processo, oferecendo provas ou requerendo diligências que considere necessárias;
  • ser informado dos seus direitos pelo Tribunal ou pela Polícia, perante os quais seja obrigado a comparecer;
  • caso seja menor, ser acompanhado nas diligências processuais pelos pais (ou seus substitutos legais ou admitidos);
  • recorrer das decisões que lhe sejam desfavoráveis.

No que concerne a obrigações, o arguido tem o dever de:

  • comparecer perante o juiz, ministério público ou polícia sempre que a lei o exigir e para tal tiver sido devidamente convocado;
  • responder com verdade às perguntas relativas à sua identidade;
  • prestar TIR-Termo de Identidade e Residência;
  • sujeitar-se a todas as diligências de prova e a medida de coação e de garantia patrimonial que sejam ordenadas.

Quais são as obrigações do arguido durante a investigação?!...

Durante a investigação, o arguido tem de comparecer na polícia ou no tribunal quando notificado para isso, sujeitar-se à recolha de provas e cumprir com as medidas de coação e de garantia patrimonial que lhe são impostas. Não é, no entanto, obrigado a falar.

O arguido tem de estar na audiência de julgamento?!...

Sim. O arguido tem o direito a estar presente na audiência de julgamento. No entanto, se faltar, existem duas possibilidades:

  • tendo sido notificado a comparecer, o julgamento realiza-se na sua ausência (ainda que esteja presente o seu defensor), sendo depois notificado da sentença;
  • se não tiver sido possível notificá-lo (o que ocorrerá caso o Arguido não tenha cumprido com o TIR), o processo suspende-se enquanto as autoridades desenvolvem todos os esforços para o localizar e notificar.

E se não for possível localizar e notificar o arguido?!...

Nesses casos, o arguido é declarado contumaz, ou seja, o seu nome passará a constar do registo de contumazes, o que tem por consequência, nomeadamente:

  • serem emitidos mandados de detenção em seu nome;
  • não poder obter documentos (exs.: cartão de cidadão ou carta de condução;
  • poderem ser apreendidos os seus bens.

Estas e outras medidas são tomadas com o objetivo de o encontrar e o fazer responder pelos factos pelos quais é suspeito.

O arguido que estiver no julgamento é obrigado a falar?!...

O arguido terá de responder e com verdade em relação à sua identificação (nome, morada, etc.). No que aos factos de que é acusado diz respeito, no entanto, não será obrigado a prestar declarações (direito ao silêncio).

Quando é que o arguido presta declarações no julgamento?!...

O arguido é o primeiro a prestar declarações (antes das testemunhas) e poderá ainda prestar declarações em qualquer momento do julgamento, desde que seja relevante para o caso, não interrompa os depoimentos das testemunhas e peça autorização ao juiz.

Caso o arguido decida falar, tem de responder com verdade?!...

Ao contrário do que acontece com as testemunhas, o arguido não presta juramento (não jura dizer a verdade), por isso não será responsabilizado por mentir.

Que perguntas são feitas ao arguido?!...

O juiz começa por perguntar a sua identificação, à qual, como já se disse, o arguido tem de responder com verdade. Depois, pergunta se sabe de que factos está acusado (os quais podem-lhe ser lidos nesta fase) e se pretende falar sobre eles.

Querendo, é-lhe perguntado se esses factos correspondem à verdade, isto é, se os quer confessar. Caso o arguido não os queira confessar, poderá expor a sua versão dos factos, podendo ser colocadas questões pelo juiz ao longo desse relato.

Posteriormente, será passada a palavra ao procurador do ministério público, depois (caso exista) ao advogado da vítima e por fim ao defensor do arguido, com o objetivo de também eles lhe colocarem questões relativamente aos factos de que é acusado.

O arguido está presente durante todo o julgamento?!...

Em princípio sim. O arguido assiste a toda a produção de prova, isto é, aos depoimentos das testemunhas e à exibição de documentos, e ainda às alegações finais do ministério público e dos advogados e à leitura da sentença do juiz.

No entanto, caso se justifique, o arguido pode ser afastado da sala de audiência de julgamento durante a prestação de depoimento de alguma testemunha ou a prestação de declarações da vítima.

O arguido pode ser afastado da sala de audiência?!...

Sim. O arguido pode ser afastado da sala de audiência se o tribunal considerar que a presença do arguido pode prejudicar a descoberta da verdade, por exemplo, porque inibe a testemunha ou vítima de dizer a verdade ou se esta for menor de 16 anos e houver razões para crer que a sua audição na presença do arguido poderia prejudicá-la gravemente.

Quando é que o arguido deixa de o ser?!...

O arguido deixa de o ser com o final do processo criminal.

– artigo redigido com base no Código do Processo Penal

TERMO DE IDENTIDADE E RESIDÊNCIA: O QUE É, E QUANDO É APLICADO?!...

A ocorrência de um crime desencadeia um conjunto de medidas, sendo desde logo permitido que a Polícia, por exemplo, possa actuar através da detenção do suspeito. Posteriormente, há todo um conjunto de procedimentos que terão até se determinar se o suspeito/arguido é ou não autor do crime e por consequência que seja aplicada uma pena.

Todo este processo leva tempo e em algumas situações até anosanos. De forma a garantir que o arguido não se ausente para parte incerta ou que não comparece às diligências processuais a lei determina que possam ser aplicadas medidas de cariz preventivo: as chamadas MEDIDAS DE COACÇÃO.

O que são e em que consistem então as medidas de coacção?!...

As medidas de coação consistem em obrigações que são impostas aos arguidos durante o processo penal e que condicionam a sua liberdade. Tem como principal objectivo garantir que o arguido não continue a praticar crimes, bem como a assegurar que este esteja contactável e disponível para participar nas diligências processuais daí para a frente.

O Código de Processo Penal prevê a existência de várias medidas de coacção, sendo elas aplicadas em função do caso concreto, nomeadamente da “perigosidade do arguido”, da gravidade do crime, entre outros. As medidas de coação que podem ser aplicadas ao arguido  são as seguintes:

  • Termo de identidade e residência;
  • Prestação de caução;
  • Obrigação de apresentação periódica;
  • Suspensão do exercício de profissão, de função, de actividade e de direitos;
  • Proibição e imposição de condutas;
  • Obrigação de permanência na habitação - a chamada prisão domiciliária, e;
  • Prisão preventiva.

Neste artigo abordamos o termo de identidade e residência, procurando dar resposta às questões mais frequentes, designadamente ao facto de quem a pode aplicar e em que casos.

Termo de identidade e residência

O termo de identidade e residência, também conhecido pela sigla TIR, é a medida de coacção menos gravosa de todas. Esta, pode ser aplicada pelo juiz, pelo Ministério Público ou pela Polícia. O termo de identidade e residência é de aplicação obrigatória sempre que alguém seja constituído como arguido, após denúncia por suspeita de crime.

Em que consiste?!...

O termo de identidade e residência consiste no dever do arguido se identificar e indicar a sua morada - residência, local de trabalho, ou outro domicílio -, bem como mantê-la actualizada. Caso a altere ou se ausente dela por mais de 5 dias, tem de o informar o Tribunal, dado ser nessa morada que receberá as comunicações deste, considerando-se portanto validamente notificado.

O que deve nele constar?!...

No termo de identidade e residência deverá constar que foi dado o devido conhecimento ao arguido:

  • De que está obrigado a comparecer perante a autoridade competente ou de se manter à disposição dela sempre que a lei o obrigar ou para tal for notificado;
  • De que está obrigado a não mudar de residência, nem dela se ausentar por mais de 5 dias úteis. Deverá informar sempre que pretender alterar a sua residência ou desta se ausentar, indicado o local onde poderá ser encontrado;
  • De que será notificado por vista postal para a morada que indicou, excepto se indicar uma outra;
  • De que o incumprimento destas regras torna legítima a sua representação por um defensor nos actos processuais em que tenha direito/deva estar presente, isto é, que o processo em Tribunal continuará a correr sem a sua presença;
  • De que, caso seja condenado, o termo de identidade e residência só cessará com a extinção da pena.

É cumulável com outras medidas de coacção?!...

Sim. De acordo com a legislação em vigor, o TIR- Termo de Identidade e Residência pode ser aplicado ao arguido juntamente com outras medidas de coação. Por exemplo, pode ser aplicado ao arguido o termo de identidade e residência juntamente com a obrigação de suspender o exercício da sua profissão.

– artigo redigido  com base no disposto no Código de Processo Penal (Decreto-Lei n.º 78/87)

USUCAPIÃO - REGIME DE AQUISIÇÃO DE PROPRIEDADE PREVISTO NA LEI

Explicamos com fundamento jurídico sobre como, quando e a quem se aplica este tipo de direito de gozo através da posse.

O Código Civil consagra o regime associado à usucapião, que consiste na aquisição originária do direito de propriedade ou de outros direitos reais de gozo através da posse, quando mantida por determinado lapso de tempo. Mas quem tem a capacidade para a adquirir?!... A partir de que data se produzem os seus efeitos e em que prazo?!... Esclarecemos isto e muito mais com fundamento jurídico.

Quem tem capacidade para a adquirir?!...

O legislador, conforme tipificado no art.º 1287.º do C.C., prevê que a usucapião aproveita a todos aqueles que possam adquirir, ou seja, as pessoas que podem ser sujeitas a quaisquer relações jurídicas, dotadas de capacidade jurídica. No que respeita aos incapazes, seja em razão da idade ou de anomalia psíquica, também estes podem adquirir por usucapião, tanto por si como por intermédio das pessoas pelos quais são representados legalmente, nos termos do art.º 1289.º do C.C.

Para esta apropriação se verificar, não basta que haja uma posse material do bem, é simultaneamente necessário, que o possuidor tenha sobre o mesmo a intenção de agir como único proprietário.

A partir de que data se produzem os efeitos da usucapião?!...

Uma vez invocada a usucapião os seus efeitos produzem-se, em regra, a partir da data do início da posse, à luz do art.º 1288.º do C.C., desde que esta seja pública e pacífica, isto é, o bem em causa deve ser reconhecido, de forma generalizada, como pertencente ao possuidor e não gerar quaisquer conflitos. Sendo, por isso, imprescindível a posse à vista de todos e sem qualquer oposição para ser idónea a produzir os devidos efeitos, devendo o possuidor evitar a posse violenta ou oculta, sob pena dos prazos para a aquisição apenas se contabilizarem a partir do seu término, nos termos do art.º 1297.º do C.C.

Qual o prazo a partir do qual se pode invocar a usucapião?!...

Para invocar a aquisição do direito de propriedade por usucapião nos bens imóveis o prazo difere dependendo da boa ou má fé do possuidor. Assim, a posse de boa fé refere-se ao possuidor que desconhece lesar o direito de outrem. No que obsta à posse titulada, esta presume-se de boa fé e, por sua vez, a não titulada, de má fé. Contudo, nos casos em que a posse for adquirida com violência, considera-se de má fé, ainda que seja titulada, à luz do art.º 1260.º do C.C.

Como tal, o legislador prevê as seguintes possibilidades:

  • Havendo título de aquisição e registo, a usucapião tem lugar ao fim de 10 anos, contados a partir da data desse registo, nos casos de posse de boa fé. Se houver posse de má fé, o possuidor adquire a usucapião ao fim de 15 anos, contados da mesma data, como reza o art.º 1294.º do C.C.
  • Na falta de registo de título de aquisição, mas apenas o registo da mera posse, o disposto no art.º 1295.º n.º 1 do C.C. indica que a usucapião tem lugar quando, contado da data do registo, tenham decorrido 5 anos, nos casos de posse de boa fé. Ao invés disso, verificando-se má fé, a posse terá de ter continuado por 10 anos, desde a data desse registo.
  • Não existindo registo do título nem da mera posse, a usucapião sucede apenas no termo de 15 anos, se a posse for de boa fé, e de 20 anos, se for de má fé. 
Salientamos que a posse titulada presume-se de boa fé, e a não titulada, de má fé.

Caso prático

O Senhor Zé da Esquina, vive há mais de 20 anos num apartamento que arrendou em Montalegre e ao longo de 16 anos, tem vindo a explorar um terreno agrícola das redondezas que lhe pareceu estar abandonado, ignorando por isso, se este pertencia a alguém. Desde 2004 que cuida do terreno como se fosse seu, cultiva-o e todos os dias se desloca para tratar dos animais que lá instalou. No decorrer de todos esses anos, nunca apareceu ninguém a invocar ser o legítimo proprietário daquele terreno. De acordo com a vizinhança, que conhece e vê o Senhor Zé da Esquina todos os dias a cuidar do terreno, é o dono do mesmo e por isso, passou a acreditar que o terreno lhe pertence, tendo afastado judicialmente a presunção da má fé e encontrando-se na sua plena boa fé.

O Senhor Zé da Esquina poderá então invocar a aquisição da propriedade por usucapião do imóvel?!...

No que diz respeito ao apartamento, o Senhor Zé da Esquina encontra-se vinculado a um contrato de arrendamento, ou seja, existe um acordo contratual com o proprietário do imóvel que desqualifica o detentor como potencial proprietário e impede a usucapião, já que não obsta a uma verdadeira posse, mas sim a uma mera detenção.

Quanto ao terreno, ao fim de 16 anos de uso ininterrupto, o Senhor Zé da Esquina dispõe das condições necessárias para proceder ao registo do terreno em seu nome dado que cumpriu todos os requisitos para adquirir a propriedade por usucapião depois de 15 anos na sua posse – pública, pacífica e de boa fé.

Como pode o Senhor Zé da Esquina registar então o imóvel em seu nome?!...

Deverá dirigir-se a um Notário para a celebração da escritura de justificação notarial, nos termos dos art.ºs  89.º e seguintes do Código do Notariado, acompanhado de 3 testemunhas para comprovar a sua relação com o terreno em questão. Importa, porém, acrescentar que das testemunhas mencionadas não pode constar o cônjuge ou qualquer parente sucessível ao Senhor Zé da Esquina. A escritura será publicada num jornal de expansão nacional ou local e se ao fim de 30 dias contados após a publicação, ninguém reclamar, pode considerar-se dono do terreno.