É POSSÍVEL DESERDAR UM FILHO?!...

Como é do conhecimento geral, existem um conjunto de herdeiros que a lei protege e que, à partida, ninguém pode afastar por força do testamento. Ao longo deste artigo procuramos dar-lhe a conhecer quem são os herdeiros legitimários, em que consiste e como se calcula a quota disponível e em que circunstâncias pode uma pessoa afastar um herdeiro legitimário, nomeadamente em que situações é possível deserdar um filho.

O que são os herdeiros legitimários?!...

Os herdeiros legitimários são aqueles que, por força da lei, não podem, à partida, ser afastados por força do testamento, isto é, que independentemente do que constar do testamento, terão direito a uma parte. Ora, a esses herdeiros é-lhes destinada uma porção de bens de que o testador não pode dispor e que integram a chamada legítima, também conhecida como quota indisponível.  

Trata-se, em boa verdade, de uma sucessão imperativa, que tem como fim último salvaguardar as expetativas de alguns sujeitos em, pelo facto de serem familiares próximos de alguém, sucederem nos bens desses entes à data da sua morte.   

Quem são os herdeiros legitimários?!...

Como já demos nota, o simples facto de a lei admitir a possibilidade de um sujeito lavrar testamento não faz com que este possa decidir livremente quanto ao destino a dar aos seus bens à data da sua morte. Por conseguinte, são herdeiros legitimários o cônjuge, os descendentes e os ascendentes.

Como é calculada a legítima?!...

Para o cálculo da legítima, também designada como quota indisponível, deve atender-se ao valor dos bens existentes no património do falecido à data da sua morte, ao valor dos bens doados, às despesas sujeitas à colação (forma legal de restituição à massa da herança, para igualação da partilha, de bens ou valores que foram doados aos descendentes) e às dívidas da herança.

A quota disponível também varia em função daqueles que sucederão ao falecido. Assim:

  • Se é apenas o cônjuge o herdeiro do falecido, a legítima é de metade da herança, ou seja, o testador pode dispor livremente de 50% dela;
  • Se sucede um cônjuge e filhos, a legítima é de 2/3 da herança, ou seja, o testador pode dispor livremente de 1/3 da herança;
  • Se sucede só um filho a legítima é de metade, tal como acontece na primeira hipótese acima apresentada;
  • Se sucedem dois ou mais filhos a legítima é de 2/3 da herança, situação equivalente à segunda situação aqui retratada;
  • Se sucede o cônjuge e os ascendentes (pais/avós do falecido, por exemplo) a legítima é, igualmente de 2/3;
  • Se sucederem somente ascendentes de 1.º grau (pais do falecido) a legítima e de metade;
  • Se sucederem somente ascendentes de grau superior (avós do falecido) a legítima e de 1/3.

Mas afinal, é possível deserdar um filho?!...

Mesmo sendo a sua vontade, deserdar um filho é algo complexo. Até porque, em caso de falecimento, a lei protege determinados herdeiros, onde se incluem naturalmente os filhos.

Quer haja testamento ou não, os herdeiros legitimários têm sempre direito a uma parte da herança pela seguinte ordem: cônjuge (esposa/o) e descendentes (filhos ou netos); cônjuge e ascendentes (pais ou avós).

A esta parcela dá-se o nome de legítima ou quota indisponível, precisamente porque não é possível deixá-la a outras pessoas que não estas. Apenas o restante da herança pode ser distribuído como se entender.

Mas para tal é necessário deixar escrito, em testamento, a quem se destina essa quota disponível. Caso contrário, os bens do falecido são transmitidos na totalidade aos herdeiros legitimários. O mesmo acontece quando não há testamento.

Por aqui facilmente se percebe que, independentemente da existência deste documento, os filhos estão salvaguardados no que à sucessão da herança diz respeito. Ainda assim, há situações excecionais que podem justificar a sua exclusão.

EM QUE SITUAÇÕES É POSSÍVEL DESERDAR UM FILHO?!...

À luz do Código Civil, existem duas vias pelas quais um filho pode ser deserdado. Embora com consequências idênticas, tratam-se de dois mecanismos legais diferentes e que têm aplicação em situações distintas.

O mecanismo de deserdação

Apesar de, como vimos, os herdeiros legitimários terem direito a uma parcela dos bens (legítima), existe um mecanismo legal através do qual é possível afastá-los da herança, mas apenas em situações excecionais.

Assim, e de acordo com a lei, só é justificável deserdar um filho ou outro herdeiro legitimário) se este:

  • for condenado por um crime doloso cometido contra a pessoa, bens ou honra do autor da sucessão, ou do seu cônjuge, ou de algum descendente, ascendente, adoptante ou adoptado, desde que ao crime corresponda uma pena superior a seis meses de prisão;
  • for condenado por denúncia caluniosa ou falso testemunho contra as mesmas pessoas;
  • tiver recusado, sem justa causa, ao autor da sucessão ou ao seu cônjuge os devidos alimentos.

Estas situações estão previstas no artigo 2166.º do Código Civil, que define as causas para deserdação.

Como se processa a deserdação?!...

Para deserdar um filho é necessário deixar essa vontade expressa em testamento, indicando o motivo e enquadrando-o nas situações referidas.

Caso não invoque qualquer fundamento ou invoque uma causa não prevista por lei, a deserdação é considerada inexistente.

O testamento terá ainda de ser validado por um notário que confirmará a autenticidade do documento e a legitimidade do seu pedido.

Claro que há sempre a possibilidade de o herdeiro recorrer aos tribunais para impugnar a deserdação. Após a abertura do testamento, tem um prazo de dois anos para o fazer. No entanto terá que propor uma ação judicial, através da qual demonstre que a causa de deserdação invocada no testamento não ocorreu ou que não corresponde a uma das causas previstas na lei.

A indignidade sucessória

A lei prevê ainda outra forma de deserdar um filho, através do mecanismo da indignidade sucessória.

Em termos práticos, a indignidade sucessória traduz-se na perda do direito de aceitar ourepudiar uma herança ou legado pelo facto de o herdeiro ser considerado indigno.

De acordo com o artigo 2034.º do Código Civil, é indigno de receber uma herança:

  • quem for condenado como autor ou cúmplice de homicídio doloso, ainda que não consumado, contra o autor da sucessão ou contra o seu cônjuge, descendente, ascendente, adoptante ou adoptado;
  • quem for condenado por denúncia caluniosa ou falso testemunho contra as mesmas pessoas, relativamente a crime a que corresponda pena de prisão superior a dois anos, qualquer que seja a sua natureza;
  • quem por meio de dolo ou coacção induziu o autor da sucessão a fazer, revogar ou modificar o testamento, ou disso o impediu;
  • quem dolosamente subtraiu, ocultou, inutilizou, falsificou ou suprimiu o testamento, antes ou depois da morte do autor da sucessão, ou se aproveitou de algum desses factos.

A indignidade sucessória poderá afetar qualquer herdeiro e não apenas os herdeiros legitimários.

Como é formalizada a indignidade?!...

Ao contrário da deserdação, que é feita pelo próprio, através de testamento, a indignidade deve ser declarada pelo tribunal. Isto é, para que alguém perca o direito à herança, por indignidade, terá sempre que existir uma sentença judicial.

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